domingo, janeiro 13, 2008

169. «ANA» - Crítica de Cláudia Baptista

[Estreia no Forum Picoas, Lisboa - 6 de Maio de 1985]

Novo filme de António Reis e Margarida Cordeiro no Forum Picoas

Mãe Ana: "Aqui há muita pureza..."

Terceiro filme de António Reis e de Margarida Cordeiro, «Ana» entrou esta semana em exibição regular em Lisboa, num dos auditórios do Forum Picoas, a nova coqueluche da capital. Com um horário relativamente invulgar (às 19:30 aos dias de semana, e às 14:30 e às 18, aos sábados e domingos), «Ana» permanecerá em cartaz o tempo que o público quiser, como sublinhou António Reis.
Beneficiando de condições de audição e de projecção excepcionais, na sala ultramoderna, este filme português subverte o cinema estandardizado e os códigos de narração ortodoxos. Não aposta na compreensão imediatista. Em «Ana», o diálogo é escasso, torna-se necessário atentarmos nos gestos (lentos), na linguagem da iluminação, dos tecidos utilizados, das pequeninas coisas que mesmo a um espectador muito avisado podem passar despercebidas, numa primeira «leitura». Como disse ao «Se7e» o realizador, «Ana» é como um livro que lemos repetidas vezes ou um quadro que vemos também quantas queremos.

Para desvendar o que se esconde por detrás do ecrã, é, por exemplo, preciso conhecer a «mãe Ana», a personagem-eixo do filme, interpretada pela própria mãe de Margarida Cordeiro, de nome Ana. Mãe Ana, vista de perto, tem estatura menos corpulenta da que aparenta na tela. Já a caminho dos oitenta, Ana Maria Martins Guerra revela uma
grande lucidez, enquanto conversa, com voz calma e em tom baixo, respondendo prontamente, sem hesitação, quando interrogada. É simpática e firme nas suas convicções: «Este é um filme à vontade deles. Eu não entendo nada de cinema, mas penso que "Ana" é para quem realmente saiba apreciar o trabalho do António e da Margarida, porque o povo não gosta disto – quer é amores e beijos – e aqui há muita pureza...»

«É um filme», escreveu Joris Ivens, «que eleva o espírito, dotado de uma sensibilidade, uma finura e uma concepção poética muito especial da imagem».

Dois meses que foram "uma beleza"

Tudo isto parece muito perceptível para mãe Ana, uma professora primária reformada desde há nove anos e que escolheu a carreira contra a vontade do pai. Pela mão de uma das filhas, teve em «Ana» o primeiro contacto com a produção de filmes. Diz que se tratou de uma experiência valiosa. «Valeu a pena, sem dúvida. Para mim foi muito importante, pois já quase não convivia, e como era a mais velha, fui muito bem tratada, toda aquela rapaziada foi muito amável, e aquela vidinha de andar cá por fora, nas filmagens, durante dois meses, foi uma beleza...».

Mãe Ana vive, ora no Porto, ora em Linda-a-Velha com duas das filhas que mês sim, mês não, requisitam a sua companhia. «No fundo, sou mais do Porto do que de Miranda do Douro, onde fui criada», conta. Contrariando a vontade do pai que lhe preconizava um futuro de médica parteira, levou por diante o gosto pelo ensino, mudando-se para o Porto com os cinco filhos por criar e «trabalhando sempre como professora primária». Hoje, já só volta à terra dos Pauliteiros por altura das férias. O dia-a-dia preenche-o com «muita leitura, romances e mesmo biografias de pessoas célebres», e, de vez em quando, uma ida ao Cineclube para desanuviar da televisão.

Mas aquilo que a mãe da realizadora Margarida Cordeiro se mostra mais interessada em pormenorizar são as etapas do entrecho do filme que cataloga «como diferente de tudo o mais» e uma espécie de «continuação de "Trás-os-Montes"», o anterior filme do casal, «completamente diferente de "Jaime"», a obra de estreia dos dois cineastas na sétima arte. «A história gira em torno da vida numa casa: há uma viúva, a avó, preocupada em arranjar leite para criar o neto...»

Como são António Reis e Margarida Cordeiro em tempo de filmagens? «O António é um chato», diz mãe Ana sorrindo, atenuando o sentido do cumprimento. E acrescenta: «É muito exigente. Por vezes fazíamos os mesmos planos 15 vezes, e isso era o pior...». Mas no fundo, fica uma boa lembrança: «Tomara que tivesse sido há 30 anos, talvez tivesse seguido a carreira», remata com uma gargalhada tímida.

Cláudia Baptista (texto)
[Acompanham o texto fotos de Pedro Múrias e de Inácio Ludgero e fotogramas do filme]

Jornal Se7e, pág. 11, de 8 de Maio de 1985; na página 32 encontra-se o cartaz publicitário de "Ana".

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Ficaria muito grata se puder comunicarme com a crítica Cláudia Baptista. Sou uma antiga companheira do Jornal da Tarde.
Estela Bagnis
estelabagnis@hotmail.com

4:46 da tarde  

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